É tudo leve, feliz, doce, matinal e aconchegante quanto um comercial de margarina. Eu sei que é. Mas é duro sentir
assim. Porque tudo é calmo. No mundo, nenhum turbilhão que possa afetar
minha existência. Não social ou política, contudo apenas enquanto ser humano. Mas eis
que um grande inimigo insiste em me destruir. Não ficará em paz até me ver no
chão. Será que é um superego muito bem desenvolvido? Me repreendendo? Me
cobrando? O que sinto e o que sou já não está mais sob meu controle, mas dessa
vontade autodestrutiva, incapaz de aceitar a felicidade de bom grado, incapaz
de agradecer as raras coisas boas que a vida oferece, incapaz de tornar
momentos agradáveis algo mais que lembranças distorcidas. Encontrando tantos
defeitos, tantos “o que isso significa?” em uma fala que não deveria ser nada.
De onde vem esse inimigo senão de dentro de mim? De zonas inabitadas,
inexploradas. Tão desconhecidas e obscuras que tenho medo. Sigo na vida
obstinada a decidir quem sou. E, contraditoriamente, me perguntando se não é
melhor fugir. Jamais estar perto do inimigo ou enfrentá-lo? Qual seria a melhor
forma de vencer? Inimigos irreais que são como monstros-da-guarda. Deles não
tenho medo, mas apenas do que me dirão para fazer. Me apavoro somente porque
gosto dos meus monstrinhos pessoais. E me escondo. E fujo. E os abraço, na
maior parte do tempo. Você os ouve, Monize? Sim, só eles entendem a dor que me
causam. Ninguém pode tirá-la de mim. Não se não estiver aqui dentro. É confuso.
Muito. É tudo ao avesso em mim. Quem pode ver meu pequeno comercial de
margarina sem sorrisos?