segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sob o pré-córdio

Um corpo deita numa cama. Sem roupas, sem esperança e sem convicções. Nu. Completamente nu. Existindo. Se há um sentimento de calma em algum lugar é dentro do corpo. No cérebro. Mas esse corpo já não sabe que vias neurológicas ativar para se sentir bem. TUM TÁ, ele ouve. E eis que a resposta possa ser o famoso coração. Um estetoscópio pousa sobre o foco aórtico... pulmonar... tricúspide... mitral... 81 batimentos por minuto. Nada mau, o cérebro pensa. Nada mal para um corpo sedentário. O som é hipnotizante. Forte, claro, rítmico. Cada batimento representa o sangue pulsando, percorrendo aquele corpo, o nutrindo, o limpando. E pra quê? Para que ele se perca vida afora? O corpo vê a si mesmo e se ouve. O coração não para nunca. O cérebro tampouco. O ruído do ar entrando pelas vias respiratórias se mistura ao TUM TÁ. Os pulmões se enchem. Oxigênio e gás carbônico trocam de lugar. O cérebro pensa que todas as células vivendo juntas, como um só ser, podem ser só células acreditando ser alguém. Um monte feito de células se arrastando em meio a um mundo microbiológico dominado pelas bactérias, as verdadeiras donas do mundo. Elas diriam: "não há ninguém aí, amontoado de células". Tudo o que ele faz é dividir tarefas e tentar sobreviver. Contraindo as pupilas cada vez que a luz bate nelas. Protegendo a pele da radiação UV, com a melanina. Usando o oxigênio do ar para obter energia e, depois, se livrando dele o mais rápido possível para que ele não mate o corpo. Pagando com ATP cada movimento visível ou não. Até o corpo precisa de uma moeda para pagar os custos. Cada coisa mínima, como alterar a conformação de uma proteína, ou cada coisa complexa, como o batimento rítmico do coração, existe para nos permitir viver aqui, nesse pequeno grão de areia Terra. Mas às vezes o corpo repousa nu sobre a cama sentindo a maciez desta, ouvindo o barulho da chuva, vendo os raios cortarem os céus,  saboreando os resquícios de uma pasta de dentes sabor menta e sentindo o cheiro de sabonete. Quando ele sente o próprio pulsar, o calor que carrega, os ruídos de si mesmo, a própria vida que representa, quando ele apenas é... Ele percebe que o pensamento pode ter sido um acidente evolutivo, que faz tudo parecer um grande nada.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Fluxo

Era cortante aquela dor. Queria um pouco mais de doçura. Um pouco mais de compreensão. Mas eu nunca fui boa nisso. Até as palavras fogem de mim agora. E no meu mundo sinto-me só. Nada é o bastante. A raiva nunca passa. Apenas se transfere. Ultimamente já não durmo amaldiçoando a vida. A mesma que quero viver. Olho o contorno cortante do espelho e me pergunto se eu teria coragem. Choro por culpar a mim mesma. Se eu não sorrio é por minha culpa. Se você não sorri a culpa deve ser minha também. Eu queria esquecer minhas angústias, mas elas só se acumulam dentro de mim. Eu as confronto sob todas as perspectivas e ainda assim a solução me foge por entre os lábios. Às vezes eu procuro um ‘eu te amo’ em um abraço ou em uma conversa, mas ele nunca vem. Em alguns momentos posso vê-lo, mas ele quase nunca me alcança, pois meu escudo o repele. Uma palavra me machuca. Um olhar ‘errado’... Eu não consigo respirar nesse corpo. Vejo as pessoas partindo, voltando para suas próprias vidas. Pouca gente fica. Às vezes me pergunto se restou alguma porta pra mim. Sono, esquecimento, loucura e morte? Passei por todas e nenhuma delas. Estou no limbo. Trancada. Sufocada. Exausta. Nenhuma mão vai me salvar. Eu estou a beira do precipício. Mas está escuro, ninguém pode me ver.

sábado, 5 de julho de 2014

Bloqueio

No silêncio da noite as primeiras palavras vindas a mente começam a ser escritas. Apenas o barulho das teclas quebra ocasionalmente aquela quietude. Há sentimentos transbordando. Medo. Angústia. Felicidade. Amor. Paz e guerra no mesmo corpo. Poucas palavras que os expressem.

domingo, 9 de março de 2014

Prisões inapropriadas

Há uma sala com um jogo de espelhos. Tantas imagens se refletem nela que você já não sabe quem é você nem onde está. As imagens então pegam um livro e se sentam no centro da sala branca, vazia. Uma distração ou uma obrigação, talvez. Nenhum espaço para pensar. Há gente demais nesses espelhos. Mas algumas palavras flutuam no ar e se aproximam de uma das imagens. É a verdadeira ou apenas uma cópia do passado? Os traços da face da menina são os mesmo em todos os espelhos. A roupa, o jeito, o olhar... tudo o mesmo. Contudo, pensam elas a mesma coisa? As frases dançam perto daquela imagem específica. São tão verdadeiras e profundas que são como um portal que se abre revelando cenas devastadoras. De repente, aquela única garota começa a chorar. As outras ainda leem calmamente seus livros pretos. Ela, porém, se desespera e grita. Ninguém se move. Ela chuta os espelhos ao seu redor, mas eles não se quebram. É uma redoma que se criou ao seu redor e ela não viu. Mais e mais palavras chegam. Há tantas que ocupam o espaço do oxigênio. A garota começa a se sufocar em suas próprias palavras, literalmente. Então, quando ela quase sumia em meio àquela multidão de frases todas as outras imagens a veem e choram por ela. Os reflexos levantam uma mão como que para tocar-lhe a face e dizem: “Você precisa se livrar dessas palavras ou elas lhe consumirão e você será só uma redoma negra nesse jogo de espelhos. Ainda assim, a sua dor ficará e manchará a todas nós.” A menina então nota uma das imagens sentada longe observando a cena. Os olhos daquela não choram ou sorriem. Nem ela mesma. Ela também não carrega nenhum livro. Assustada e cada vez mais presa às suas palavras ela grita: “Quem é você aí sentada que não se importa comigo?” Entretanto, nenhuma resposta vem ao seu encontro. O tempo se estende sem pressa até que se ouça uma voz ecoar pelos espelhos. “Eu sou a única verdadeira entre vocês. O único eu que existe, vive e pensa. E vocês não são nada senão o meu reflexo, cada qual com seus pensamentos e histórias. Mas ainda assim são ‘eus’. Mas hoje há tantas imagens presas nesse lugar que às vezes me esqueço de mim e me deixo passar por qualquer uma. Existem tantas que não sei se criei mesmo todas vocês. E, sendo assim, já não me importo com quase nada (e isso inclui você, cara amiga, morrendo pelo quê não disse)” As imagens param. Todas com as mãos levantas e uma espremida entre uma parede de vidro e um fundo negro. Só uma se move, tristemente, entre elas. Ignorando os espelhos e passando de sala em sala, como um fantasma. Olhando cada uma daquelas estranhas gêmeas de perto sem, entretanto, compreendê-las. A garota volta para a sua redoma e observa a cena parada infinitamente. Fecha os olhos por um segundo e quando os abre vê duas mãos com unhas vermelhas. Elas seguram um livro de capa vermelha onde lê-se “sexo por recomposição”. Muitas coisas poderiam se pensar a partir daí, mas uma outra menina esquece de devaneios e se concentra no texto sobre a reprodução da Drosophila. O tempo nesse mundo não pausa, muitas palavras a esperam ainda.

segunda-feira, 3 de março de 2014

O Teatro Mágico - Eu Não Sei Na Verdade Quem Eu Sou




"Eu não sei na verdade quem eu sou,
Já tentei calcular o meu valor,
Mas sempre encontro sorriso e o meu paraíso é onde estou...
Por que a gente é desse jeito
Criando conceito pra tudo que restou?"

15 minutos para o fim do 18

     Aqui estou: parada em frente a uma tela, esperando que as palavras certas pintem a tela. Sem saber por onde começar se não há início e se tudo parece tão gasto.
     Certa noite recebi uma ligação comum e tudo o que pude fazer desde então foi chorar. Às vezes com lágrimas noutras sem. Não consegui por paz nem por segundo na minha mente. É como se meu coração tivesse partido, mas eu não soubesse porquê. Desde então, qualquer detalhe me perturba. Eu já não acho ar para respirar ou chão no qual pisar. Não há nada além de mim sentada na beira de um penhasco a observar nuvens volumosas crescendo no céu. Posso sentir os raios.
      Noutra noite, pouco mais conturbada, sinto a contagem de mais um ano se aproximando da minha vida. Choro por ver em mim alguém que não sou. Choro por ver o que não posso ser. Choro por não achar palavras nem saber falar. Por medo, decepção e incerteza.
   Uma fórmula para não se sentir assim seria ótima, tudo que tenho são sorrisos como um alívio momentâneo. Talvez uma ligação inesperada no meio da noite te faça bem. Pode ser que a verdade te faça mal.
      Eu estou aqui, agora. Minha cabeça girando. Pensamentos gritando. E uma promessa de liberdade que eu já não tenho. Esta noite é a hora de dizer "até mais" para algumas coisas. Hora de adeus.