quinta-feira, 30 de julho de 2015

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No horizonte um pedaço do céu se colore num dourado-pôr-de-sol, contrariando a escuridão que lhe faz pano de fundo. Nunca havia parado pra pensar na perspectiva de que aquilo poderia ser o reflexo das luzes de uma cidade se aproximando. Olhando com mais atenção, percebo que são nuvens acima de uma cidade que já nem sei mais qual. O carro está mais silencioso que o normal sem a voz da minha mãe pra quebrar a monotonia da noite. Apenas alguns metros de estrada esburacada são visíveis à frente. Meu pai boceja com frequência, deixando transparecer o cansaço de um dia de viagem. Vez por outra conta uma piada que nos faz gargalhar, o tipo de risada sincera que você não costuma ver por aí. Não na cidade grande. No rádio improvisado toca Zé Ramalho, Avohai, o único gosto musical que poderia agradar nós dois. Mergulho na minha infância. Relembro meus primos com quem convivi durante toda minha vida e agora representam conversas escassas entrecortadas tempo afora. Relembro brincadeiras de criança a muito perdidas. É um sentimento bom de coisas que nunca voltarão. Quem diria o rumo que nossas vidas tomariam? E cá estou eu, com 20 anos, voltando pra casa. Há inúmeras coisas que se perderam de mim. Isso ultrapassa, é claro, o meu sotaque, há muito desfeito. Cada metro que me aproxima da minha origem só me mostra quem já não sou. Sinto falta disso. Já não há o sentimento de pertencer. Não há raízes. Me pergunto se a música provoca os mesmos sentimentos no meu pai. Mas percorremos em silêncio o restante do trajeto, lutando contra o sono. Seguindo agarrados a ideia do conforto de chegar em casa.

O amor bate na aorta - Drica Moraes (Carlos Drummond de Andrade)