No horizonte um pedaço do céu se
colore num dourado-pôr-de-sol, contrariando a escuridão que lhe faz pano de
fundo. Nunca havia parado pra pensar na perspectiva de que aquilo poderia ser o
reflexo das luzes de uma cidade se aproximando. Olhando com mais atenção, percebo
que são nuvens acima de uma cidade que já nem sei mais qual. O carro está mais
silencioso que o normal sem a voz da minha mãe pra quebrar a monotonia da
noite. Apenas alguns metros de estrada esburacada são visíveis à frente. Meu
pai boceja com frequência, deixando transparecer o cansaço de um dia de viagem.
Vez por outra conta uma piada que nos faz gargalhar, o tipo de risada sincera
que você não costuma ver por aí. Não na cidade grande. No rádio improvisado
toca Zé Ramalho, Avohai, o único gosto musical que poderia agradar nós dois.
Mergulho na minha infância. Relembro meus primos com quem convivi durante toda
minha vida e agora representam conversas escassas entrecortadas tempo afora.
Relembro brincadeiras de criança a muito perdidas. É um sentimento bom de
coisas que nunca voltarão. Quem diria o rumo que nossas vidas tomariam? E cá
estou eu, com 20 anos, voltando pra casa. Há inúmeras coisas que se perderam de
mim. Isso ultrapassa, é claro, o meu sotaque, há muito desfeito. Cada metro que
me aproxima da minha origem só me mostra quem já não sou. Sinto falta disso. Já
não há o sentimento de pertencer. Não há raízes. Me pergunto se a música
provoca os mesmos sentimentos no meu pai. Mas percorremos em silêncio o
restante do trajeto, lutando contra o sono. Seguindo agarrados a ideia do
conforto de chegar em casa.